quinta-feira

Sala de Aula: Mais Redes, Menos Paredes

Por Patrícia Gomes do site: Porvir.org


O Rio de Janeiro começa, nas próximas semanas, a experimentar um novo tipo de escola. Nada de séries, salas de aula com carteiras enfileiradas e crianças ordenadamente caminhando pelo espaço comum. A aposta para dar a 180 crianças e jovens da Rocinha uma educação mais alinhada com o século 21 é o Gente, acrônimo para Ginásio Experimental de Novas Tecnologias, na escola Municipal André Urani. O espaço, que acaba de ser totalmente reformulado para comportar a nova proposta, perdeu paredes, lousas, mesas individuais e professores tradicionais e ganhou grandes salões, tablets, “famílias”, times e mentores.
Não houve pré-seleção. Os alunos que farão parte dessa nova metodologia já são os matriculados na escola antes da reforma. Mas agora as antigas séries serão extintas e não haverá mais as salas de aula tradicionais, com espaço para 30 e poucos alunos. Em vez disso, os jovens – que estariam entre o 7o e 9o anos – serão agrupados em equipes de seis membros, chamadas de “famílias”, independentemente de sua série de origem. A formação das famílias ocorrerá em parte por afinidade, a partir da escolha dos próprios membros, e em parte a pelo diagnóstico de habilidades ao qual os alunos se submeterão no início do ano letivo.
crédito ekaterina_belova / FotoliaRio de Janeiro inaugura escola sem séries, turma e sala de aula


Essa avaliação, que ocorre assim que eles chegarem ao Gente, pretende fazer um raio-x do estado da aprendizagem de cada um, tanto do ponto de vista do conteúdo tradicional quanto das habilidades não cognitivas, como comunicação, senso crítico, autoria. Cada aluno terá um itinerário de aprendizado pessoal, que funciona como uma espécie de playlist, só que em vez de músicas, estarão os pontos que ele precisa aprender ou desenvolver. Será o jovem o responsável por escolher a forma como o conteúdo lhe será entregue – videoaulas, leituras, atividades individuais ou em grupo. Todas as semanas os alunos serão avaliados na Máquina de Testes, um programa inteligente que propõe questões de diferentes níveis de dificuldade, para garantir a evolução no conteúdo. Quando ele não chegar ao resultado esperado, o jovem receberá uma atenção individualizada.
Tal atenção é de responsabilidade do mentor da família, o professor. Cada mentor será responsável por três famílias, que reunidas serão chamadas de equipe. “O mentor deve dar uma educação mais ampla, preocupada não só com os conteúdos tradicionais, mas com higiene, com aspectos socioemocionais do aluno, com a motivação dele”, diz Rafael Parente, subsecretário de novas tecnologias educacionais da Secretaria Municipal de Educação do Rio, explicando a mudança no papel do professor naquele contexto. Em vez de dar aula de português ou matemática, o mentor vai ajudar o aluno a encontrar a informação de que precisa para entender o conteúdo, mesmo que o assunto não seja o da sua formação.
crédito DivulgaçãoIlustrações de como será o Gente, na Rocinha


Assim, explica Parente, se um professor de língua portuguesa precisar explicar um assunto mais específico de matemática, ele deve pedir ajuda para membros da família, se sentar com o aluno para assistir à videoaula da Educopedia com ele, tentar aprender junto. “O professor não vai ser mais aquele que transmite o conhecimento. Ele vai ser especialista na arte de aprender”, diz o subsecretário. O grupo de mentores que fará parte do Gente foi treinado para essa nova forma de lecionar.
Todos os dias, ao chegarem à escola, os alunos passarão por um momento de acolhida, em que compartilharão com seus pares experiências e expectativas para o dia. A jornada na escola é integral. Neste tempo, com o auxílio de seu itinerário e a liderança do tutor, cada um deverá decidir o que e em que ordem estudar e poderá, à livre escolha, se juntar a grupos de estudo de língua estrangeira, robótica, esportes, artes, desenvolvimento de blogs. É nesse momento que uma pergunta inevitável aparece: mas se o aluno não quiser fazer nada, ele não vai fazer nada, certo? Mais ou menos. Os mentores, explica Parente, estarão sempre por perto para motivar os alunos a avançarem, as avaliações mostrarão quem está ficando para trás e os integrantes da família – o tal grupo de seis – também deve incentivar uns aos outros. “Quando o aluno é protagonista do próprio aprendizado, faz suas escolhas, ele se envolve mais, se empolga mais com a escola.”
A tecnologia é outro fator importante na forma como o projeto foi organizado. Para que os alunos possam escolher entre ambiente virtual ou presencial, era preciso que todos os alunos tivessem acesso a equipamentos e internet. Por isso, cada aluno terá o seu tablet ou netbook e, quando for pedagigocamente justificável, vai poder levá-lo para casa. Todas as dependências do André Urani terão internet sem fio de alta velocidade.

Universo.mobi

               

por Vinícius Bopprê do site: Porvir.org



Se você não é uma daquelas pessoas que fica com os olhos vidrados no celular, navegando nas redes sociais ou jogando, certamente conhece alguém assim. Já deve ter ouvido histórias de aplicativos que em poucos dias alcançaram milhões de usuários e pode ter se questionado: será que é difícil fazer um aplicativo? O site Universo.mobi permite que qualquer pessoa crie o seu próprio app em poucos minutos, de maneira simples e intuitiva. Com mais de 30 mil ferramentas criadas em seu primeiro ano, essa “fábrica de apps” já rodou o mundo e chega a registrar, em um dia, mais de 100 novos aplicativos. “Nossa principal missão é incluir, permitir quem não tem acesso à criação de aplicativo possa construí-lo de forma gratuita. Assim, a manicure, o massagista, qualquer pessoa pode desenvolver seu app”, diz Gregório Marin, cofundador da Universo.mobi.
Com o foco direcionado para os microempreendedores, que podem fazer a propaganda do seu negócio por meio das redes sociais, criar galerias de fotos ou vídeos e outros serviços, a Universo.mobi pode ser usada para criar apps com as mais distintas finalidades. O Doa Zezinho, por exemplo, é um app que direciona os valores de tributos das notas fiscais em doações para A Casa do Zezinho e o Via Certa Natal Trânsito traz notícias em tempo real de Natal e da Região Metropolitana. Tem até professor da USP entrando na brincadeira.
crédito John Lee / Fotolia.com

O app Patologia Geral foi desenvolvido por Luiz Fernando Ferraz da Silva, que leciona Patologia na Universidade de Medicina da USP. Nele, seus alunos têm acesso ao conteúdo da disciplina, toda a agenda de provas, além de poder acessar vídeos no YouTube e até mesmo compartilhar conhecimento via rede social. “O app tem ajudado os alunos o acesso a três importantes conteúdos das aulas: a agenda do curso, a apresentação da aula em PDF e o link direto ao canal da disciplina no YouTube com os vídeos das aulas”.
A iniciativa de Silva é comemorada pelos fundadores, que veem muito potencial no uso da ferramenta para fins educacionais. “O celular não deveria ser proibido na sala de aula. Ele pode ser usado como meio de pesquisa, onde o aluno pode encontrar um artigo ou um vídeo”, diz Marin. Sobre o desafio de inserir o app em sua prática, Silva, mais conhecido como Burns, pode afirmar que os alunos receberam bem a iniciativa, apesar de ainda estarem se acostumando com ela. O professor aplicou um questionário e cerca de 80% dos alunos consideraram a ideia útil, mas apenas 32% relataram fazer uso frequente da plataforma móvel. “O impacto específico em aprendizado ainda é difícil de mensurar, mas a avaliação do curso melhorou após a introdução das plataformas digitais, site + app”, disse ele.

Planos

A Universo.mobi disponibiliza três tipos de serviço para criação dos apps: o gratuito, em que basta acessar o site e desenvolver o aplicativo que, depois de criado, levará a logo da empresa no rodapé; o segundo, chamado de Sem Banner, em que o app desenvolvido não terá o nome da plataforma e custará R$ 9,90 por mês; e, por último, o Plano Pro, que vai auxiliar o usuário a colocar seu app à venda nas lojas, seja da AppleStore ou o PlayStore, do sistema Android do Google.
Durante a entrevista, o cofundador Guilherme Santa Rosa exibiu os aplicativos criados nas últimas horas. Dentre eles, apps espalhados por todo o Brasil e até um em árabe. “A gente adora ver esses exemplos”, disse ele. Já Marin até se diz feliz com os atuais resultados, mas afirma esperar quadruplicar esse número em breve. “Queremos chegar a 144 mil pessoas, porque é um número que vai nos dar a escala que esperamos”, disse ele, animado.

Água: Espelho da Vida





            Tales de Mileto dizia: “tudo é água”.

            Para Tales, essa substância, a physis, seria a água, e todos os seres existentes seriam, essencialmente, produtos da transformação da água ou água transformada.

            Segundo Nietzsche, em Tales, o pensamento salta das constatações para a abrangência do espírito, em que a grandeza do olhar conceitual define a filosofia como audácia do pensamento. A água de Tales não passa de uma metáfora para comunicar o “pressentimento da solução última das coisas” e “o acanhamento dos graus inferiores do conhecimento”.

            Já, para Hegel, Tales celebra a descoberta da unidade do ser e a unidade do pensamento: “só há um universal, o universal ser em si e para si, a intuição simples e sem fantasia, o pensamento de que apenas um é”. Na verdade, Hegel lê na proposição “tudo é água” o significado “tudo é um”. Por isso a frase é filosófica, isto é, progresso em relação à dispersão do pensamento mítico ou da percepção sensível que vêem o mundo como uma multidão de coisas diferentes, longe de qualquer unidade. Por outro lado, Tales não teria razão em escolher a água como o universal, uma vez que ela é evidentemente uma coisa singular: “aqui está a falha - aponta Hegel; aquilo que deve ser verdadeiro princípio não precisa ter uma forma unilateral e singular”.

            Em suma, até a filosofia, ao interpretar a frase de Tales, empenha-se no elogio do pensamento racional presente no “tudo é”, e acaba geralmente por desconsiderar a água enquanto tal. Mas o desafio da frase consiste no predicado “água”. Ao invés de celebrar na primeira frase filosófica o que caracteriza a filosofia enquanto filosofia - a atividade autônoma do pensar -, talvez devamos procurar compreender a água enquanto água.


Natureza e Pensamento Humano

            Michel Serres: “Nossa cultura tem horror do mundo (...) A terra, as águas, o clima, o mundo silencioso, as coisas tácitas colocadas outrora como cenário em torno das representações comuns, tudo isso que jamais interessou a alguém, brutalmente, sem aviso, de agora em diante estorva as nossas tramóias. Irrompe em nossa cultura - que dela sempre formou uma idéia local e vaga, cosmética - a natureza”.


Água e a Vida

            Todos os dias lavamos os olhos, as mãos, tomamos banho, tudo isto não com a convicção de estarmos cumprindo um conjunto frio e objetivo de preceitos de higiene, mas com uma certa sensação vaga e fugidia de prazer. Esta água caseira, que sai da torneira e do chuveiro, não só nos limpa, mas também nos conforta.
            A água é essencial para a conservação da ordem doméstica, tanto na limpeza da habitação, quanto no molhar as plantas, na lavagem das roupas, no preparo dos alimentos, na condução dos dejetos corporais e outros, etc., etc.
            A água é um elemento fundamental para a garantia de nossa vida biológica, de nossa natureza exterior.
            Todo ser vivo consiste principalmente de água.
            Nosso corpo contém cerca de 65% de água. O mesmo acontece com os camundongos. Um elefante e uma espiga de milho contêm cerca de 70% de água. Um tomate contém cerca de 95% de água. Todas as funções orgânicas (digestão, circulação do sangue, respiração, excreção urinária, transpiração, etc.) exigem a renovação rápida da água contida nas células ou nos líquidos intercelulares.
            Por meio de reações químicas, o organismo converte os nutrientes em energia, ou em materiais de que precisa para crescer ou reconstituir suas partes. Essas reações químicas só podem ocorrer em uma solução aquosa.
            O meio aquoso é também necessário para os processos de reprodução da vida. O sêmen, o útero materno contêm água e o feto desenvolve-se primeiramente num meio aquoso.

            A história nos revela que em geral os homens se estabelecem onde a água é abundante - junto aos lagos e rios. As primeiras grandes civilizações surgiram nos vales de grandes rios - Vale do Nilo no Egito, Vale do Tigre/Eufrates na Mesopotâmia, Vale do Indo no Paquistão, Vale do Rio Amarelo na China. Todas essas civilizações construíram grandes sistemas de irrigação, tornaram o solo produtivo e prosperaram.

            Toda a vida urbana, toda cidade, depende de um sistema de abastecimento de água e a tarefa de abastecer de água uma cidade é gigantesca. Em primeiro lugar a água tem de ser captada dos mananciais (lagos, rios ou água do subsolo), em seguida tem de sofrer todo um processo de tratamento pelo qual é purificada e tornada apropriada ao consumo. Depois passa por um sistema de distribuição e finalmente um sistema de esgoto conduz - ou melhor, deveriam conduzir as águas servidas para estações de tratamento que as devolvem (sem tratamento) para rios ou para o mar.

            Em nossas cidades, as casas têm torneiras na cozinha e caixa de descarga na privada. A média de água gasta por pessoa, no lar, é de cerca de 250 litros por dia. Numa descarga de água no vaso sanitário, gastam-se de 10 a 12 litros. Para tomar um banho são necessários mais ou menos 120 litros, calculando um chuveiro médio com vazão de 20 litros de água por minuto. Para lavar pratos e panelas, são precisos uns 40 litros, e até 110 litros para a máquina de lavar roupa.

            A água é material mais usado pela indústria. São necessários cerca de 270 toneladas de água para fabricar um tonelada de aço, e cerca de 250 toneladas de água para produzir uma tonelada de papel. As refinarias usam cerca de 10 litros de água para refinar um litro de gasolina; para fabricar um litro de cerveja, usam-se 10 litros de água. As fábricas no Brasil usam cerca da metade da água consumida em geral no país, retirando-a de poços, rios ou lagoas.

            Que se lembre também a importância da água na produção da energia elétrica, pelas usinas hidrelétricas, e a importância dos rios e mares como meios de transporte.

            E, juntamente com os fins do século XVIII, a água passou a ser, para a nossa cultura, apenas uma expressão: H2O, ou seja: um corpo incolor, inodoro, insípido, líquido à temperatura ordinária, resultante da combinação de um volume de oxigênio e dois de hidrogênio e capaz de refratar a luz e dissolver muitos outros corpos. Depois que a água tornou-se objeto da razão científica, passou a ser um corpo entre os outros, muito importante, é certo, mas sem alma, sem sentido, uma coisa morta.


(fragmentos do texto “A Água e a Vida” de José Carlos Bruni)

segunda-feira

‘Não tem por que priorizarmos matemática’

Patrícia Gomes - www.porvir.org
Pouco mais de dez anos atrás, o pensador norte-americano Marc Prensky escreveu um artigo de quatro páginas que se tornaria um clássico entre educadores de todo o mundo. No texto “Digital Natives, Digital Immigrants”, ele cunhava os termos “nativos digitais” e “imigrantes digitais” para explicar um momento de transição da forma como as pessoas ensinam e aprendem. Os alunos, nascidos já na era da internet, têm muito mais facilidade que seus professores, que tiveram que se adaptar para transitar no mundo da tecnologia. “Nossos alunos mudaram radicalmente. Os estudantes de hoje não são mais as pessoas para as quais nosso sistema educacional foi desenhado”, dizia ele que, mais de uma década depois, parece mais certo do que nunca.
Segundo Prensky, o mundo vive um momento não só de constantes, mas de aceleradas transformações. Nesse novo contexto, em que a tecnologia está presente como uma ferramenta disponível e acessível, não faz mais sentido o conteúdo tradicional, como matemática, português, ciências e humanidades, ser o foco das preocupações. Em vez disso, é preciso repensar o currículo de forma a colocar pensamento, ação, relações humanas e conquistas efetivas no centro. As matérias tradicionais seriam, de acordo com a proposta do especialista, trabalhadas a partir dessas quatro novas dimensões.
Prensky estará amanhã em São Paulo dando palestra na Campus Party, a convite da Fundação Telefônica Vivo. Confira a entrevista que o especialista concedeu aoPorvir.
crédito boroboro / Fotolia.com

O senhor cunhou as expressões “nativos” e “imigrantes” digitais há mais de dez anos. O que mudou de lá para cá?
Tem uma piada muito legal que retrata isso. O avô fala para a neta: “Quando eu era criança, quando eu tinha a sua idade, não havia computadores ou celulares”. A menina olha para o avô e pergunta: “Como é que você acessava a internet?”
Em dez anos, as pessoas tiveram muito mais experiência com tecnologia digital. A diferença entre um nativo digital para um imigrante digital é que o nativo digital só conhece o novo contexto, não conhece o velho. Quando a gente fala de fotografias em preto e branco, telefones analógicos, parece pré-história para essas crianças. Nem todo mundo tem acesso, mas todas as crianças do mundo conhecem tecnologia, sabem que ela existe. Celulares estão em todos os lugares, mesmo em países pobres. O ambiente em que as crianças vivem hoje é muito digital e muito diferente de quando eu cresci. Tem uma piada muito legal que retrata isso. O avô fala para a neta: “Quando eu era criança, quando eu tinha a sua idade, não havia computadores ou celulares”. A menina olha para o avô e pergunta: “Como é que você acessava a internet?” Eles não conhecem o mundo sem internet.
Outra coisa que é muito diferente é o ritmo da mudança, que está muito mais veloz. E não está ficando mais rápido, está acelerando. O que a gente vê em um país como o Brasil é que metade das pessoas não têm acesso à tecnologia – estou supondo, não sei o número correto –, mas é previsível que, em poucos anos, todo mundo vá ter acesso porque vai ser muito barato e muito mais disponível do que costumava acontecer no passado.
Como ensinar as crianças neste mundo?
Exitem duas questões: uma é como ensinar essas crianças e a segunda, ainda mais importante, é o que ensinar. Como ensinar nós sabemos. Nós temos que fazer uma parceria com as crianças de forma que eles usem tecnologia, resolvam problemas, trabalhem em grupo com a orientação do professor. Apesar de nem todo mundo estar fazendo desse jeito, esse problema está resolvido.
O problema mais díficil é o que ensinar. Estou escrevendo um livro novo agora no qual eu digo para esquecermos a divisão da escola em matemática, língua, ciência, estudos sociais. Vamos dividir em pensamento, ação, relações humanas e resultados efetivos. Vamos ensinar isso para as nossas crianças no contexto do mundo digital, dentro dessas perspectivas é que elas podem aprender matemática, língua, humanidades. Todo mundo vai aprender uma coisa diferente porque cada um tem sua necessidade. Só coisas muito básicas seriam comuns a todo mundo porque o conteúdo muda muito rápido – claro, todo mundo vai aprender a ler.
crédito Divulgação

E como você vê a avaliação nessa abordagem?
Por que a gente avalia as crianças? Não é para ajudá-las, mas para conseguirmos ranqueá-las. O que a gente precisa mesmo é descobrir como as crianças estão indo e ajudá-las a ir melhor. Não é difícil avaliar se uma pessoa é boa em pensar ou não. É só conversar com essa pessoa e fazer algumas séries de perguntas em que se possa medir seu raciocínio lógico, sua criatividade, seu pensamento crítico. É só fazer perguntas. Também não é difícil avaliar as ações de uma pessoa. É mais útil saber se eu consigo pensar bem, agir bem, se relacionar bem e ter bons resultados.
Como preparar os professores para essa realidade? Em algum lugar do mundo eles já estão sendo treinados dessa forma?
Vamos ter que começar de novo nas faculdades de pedagogia. As escolas independentes serão as primeiras a testar esse modelo. Eu tenho dado palestra para essas escolas nos EUA, Austrália, escolas internacionais. Elas são mais livres, não têm que seguir o governo. O mais importante é dizer para as pessoas que a forma que estamos educando hoje não é a única forma. Eu espero que se comece uma grande conversa para repensar a educação. Não apenas para mudar um pouquinho ou fazer a educação antiga um pouco diferente, com um pouquinho de tecnologia, mas dar outra perspectiva sobre o que educação significa no mundo.
Mudando um pouco para os games, como você os vê mudando a educação?
Primeiro eu era muito positivo sobre os games. Em alguns casos eu ainda sou. Mas os games são bons para ajudar a ensinar habilidades, mas não são tão bons para ensinar conteúdo. Se fizermos os games ao redor de conteúdo, vamos precisar fazer games pequenos, cada um destinado a um aspecto do conteúdo. Ninguém fez isso ainda, eu vou tentar.
Quando você diz que vai tentar, o que você quer dizer? Conteúdo ou habilidades?
As duas coisas. Para o conteúdo atual, eu queria fazer pequenos jogos para tudo. Frações, funções quadráticas, gramática ou qualquer tema que se ensine. A criança pode treinar em um game. De ciência a humanidades, da educação infantil ao ensino médio. Sobre a segunda parte, se eu faço games para habilidades, a resposta é: claro. Você tem que fazer muitos games porque o pensamento é feito de vários fatores. Tem o pensamento crítico, o matemático, o criativo.
Em sala de aula?
A essa altura nós teremos outras formas de manter nossas crianças em um lugar seguro. As pessoas não vão precisar deixar as crianças na escola por segurança. Nós vamos descobrir a melhor forma de aprender cada coisa
Não. As pessoas podem interagir por uma rede. Se quase todas as crianças no mundo têm acesso a celular, elas são um ponto de conexão em uma rede. Elas podem aprender sendo um ponto de conexão nessa rede. Os professores ainda podem ajudar, nós ainda teremos escolas porque as crianças ainda estarão seguras na escola – nós vamos ter escola por muito tempo ainda.
Como você vê a escola de 2099?
A essa altura nós teremos outras formas de manter nossas crianças em um lugar seguro. As pessoas não vão precisar deixar as crianças na escola por segurança. Nós vamos descobrir a melhor forma de aprender cada coisa. Algumas vão ser em grupo, outras são individuais, outras em grupos menores, outras em comunidades virtuais.
Como você vê esse movimento dos Moocs e de ensino híbrido?
Isso é tudo parte de uma série de experimentos. Eu tenho visto pais ficarem desapontados ao verem seus filhos fazer parte de um experimento de educação. A resposta para isso é que não tem outra maneira. Eles precisam fazer parte de um experimento porque o mundo mudou e nós estamos aprendendo a nos adaptar
.

domingo

São Paulo: Sem Geografia, História e Ciências


Para que a escola existe? Para formar adequadamente as gerações futuras ou para preparar os estudantes para avaliações externas como Enem, Saresp, Prova Brasil, Pisa etc.? Questionam as pesquisadoras em educação Maria Amélia Santoro Franco (Unisantos), Valéria Belletati (Instituto Federal de São Paulo), Cristina Pedroso (USP/FFCLRP) e Ligia Paula Couto (Universidade Estadual de Ponta Grossa).


Entre os assuntos levantados por elas, está a nova proposta curricular do ensino público do Estado de São Paulo, que pretende excluir história, geografia e ciências do do 1º ao 3º ano para ensinar melhor português e matemática. Diante desse fato, a preocupação que surge é se a função da escola estará limitada ao ensino das habilidades mínimas de leitura e escrita e de cálculo, em detrimento das “cores e os sabores das descobertas que se fazem no contínuo do seu desenvolvimento”. “O que será da nossa escola pública, então? O objetivo final será a quantificação em detrimento da qualidade?”, perguntam.



Pensares Insurgentes I



“A educação não consiste em encher um cântaro,
mas em acender um fogo”

(William Butler Yeats)

       
Duas coisas devem andar juntas
em nossa maneira de entender a educação:
a melhoria pedagógica e o compromisso social.

Há algo de errado na velha idéia

de que aulas mais ou menos bem dadas (um bom ensino) geram necessariamente boas aprendizagens.
Os próprios conceitos de ensino e aprendizagem estão submetidos a uma profunda revisão.



A educação só consegue bons resultados quando se preocupa em gerar experiências de aprendizagem, 
criatividade para construir conhecimentos

e habilidade para saber acessar fontes 
de informação sobre os mais variados assuntos.


 
São dois os analfabetismos por derrotar hoje:

o da lecto-escritura (saber ler e escrever),

o sócio-cultural (saber em que tipo de sociedade se vive, por exemplo, saber o que são mecanismos de mercado)

Toda escola incompetente em algum desses aspectos

é socialmente retrógrada.



A escola não deve ser concebida

como simples agência repassadora

de conhecimentos prontos,

mas como contexto e clima organizacional

propício à iniciação em vivências

personalizadas do aprender a aprender.

A flexibilidade é um aspecto

cada vez mais imprescindível de

um conhecimento personalizado e de

uma ética social democrática.
 
 
 
(pensamentos de Hugo Assmann)

Educação, Lixo e Responsabilidade Social



Educação, Lixo e Responsabilidade Social

Se o modo como os homens se relacionam com a natureza  depende do modo como os homens se relacionam entre si,  não se pode trabalhar seriamente no movimento ecológico sem precisarmos muito bem o significado das relações sociais em que vivemos, para a compreensão de nossa relação com a natureza” (Carlos Walter P. Gonçalves)[1].

Um discussão sobre o tema do lixo deveria começar com indagações, perguntas, espanto...
Trago algumas inquietações para serem compartilhadas. Coloco-me como alguém que busca o que ficou faltando e o que ainda está por ajuntar. Começo pelo desejo de dizer que há muito por mudar, que a gente precisa conhecer  esse outro, interior/exterior , tão dentro fora, esse outro chamado Planeta Terra.
Assim dentro deste contexto, tentarei indicar alguns caminhos interpretativos sobre a questão colocada: educação ambiental, lixo e a responsabilidade social. Relação que se dá dentro de um campo contraditório e diversificado de valores e discursos e, “tem se configurado como um campo onde se inscrevem os principais desafios políticos acerca de novos mecanismos de regulação social” (Izabel Cristina Carvalho[2]).
Responsabilidade Social: Sentimento e ação que compete à sociedade como um todo.
Sociologicamente, nos dizem que a sociedade é formada por indivíduos e que esses indivíduos se  articulam em grupos, criam códigos e mensagens comuns para se comunicarem, criam a linguagem, que, por vezes, se traduzem tão somente em comportamentos, em tempos neoliberais e pragmáticos.
Bem, eu gostaria aqui de apontar os setores que formam esse conjunto chamado sociedade ou tecido social, marcado por relações consensuais[3], contratuais, e, outras, dinamicamente conflitantes, da seguinte forma:
·     Poder  do Governo: Mundial, Federal (incluídos as forças armadas), Estadual, Municipal, Local;
·     A Igreja e os fenômenos religiosos;
·     As organizações empresariais, comerciais e financeiras;
·     Sindicatos, Movimentos Sociais e os Novos Movimentos Sociais;
·     As Organizações Não-Governamentais;
·     Os que vivem, residem, trabalham, sonham, consomem, cantam, morrem e, por vezes, se amam;
·     Os miseráveis, na linha dolorosa da ausência... do flagelo... vivendo à margem da cidadania, na mais completa exclusão social.
Dentre esses setores temos:
a) aqueles que decidem;
b) aqueles que influenciam poderosamente nas decisões do primeiro grupo;
c) aqueles que são consultados sobre as decisões;
d) aqueles que observam: acompanham as decisões mas se isentam de participar, a não ser que seus interesses sejam fortemente atingidos, vivem numa zona chamada “neutralidade política”;
e) aqueles que não são consultados e não possuem vez,  seja por que lhes foram negados o direito de participar no mesmo patamar de decisão dos outros grupos, seja pela exclusão social. Terrivelmente, esse é o grupo maioritário.
Assim, o poder de decisão não está repartido igualmente em nossa sociedade e, portanto, os cidadãos não são igualmente responsáveis por seus efeitos. Os cidadãos não decidem igualmente sobre a formação do quadro de vida e de suas condições ambientais.
No sentido grego, Política diz respeito à arte dos cidadãos definirem os limites para suas vidas (Polis era o nome dado ao limite que separava a cidade do campo). A ecologia mexe com os limites do homem e, neste sentido, com o que é da essência da política. Cabe-nos decidir sobre que destino queremos dar à natureza mas antes disso, se queremos também dividir os homens entre os que pensam e os que fazem, entre os que mandam e os que obedecem, entre os dominantes e dominados. Se é assim, correremos o risco de ficar com argumentos justos e legítimos, mas desacreditados e, pior, amargarmos os efeitos que, acreditamos, ninguém deseja.
No entanto, lentamente (mesmo com muita luta) algumas coisas vêm se alterando em relação à participação política. Alguns setores da sociedade civil que viveram à margem das decisões e do usufruto dos bens coletivos da vida moderna: os movimentos sociais urbanos - os sem-casa, o movimento negro, de mulheres, de usuários de equipamentos e serviços públicos, os anarco-punks, os catadores de papel, os vários fóruns organizados em conselhos, etc., atualmente, vem conquistando um espaço para opinarem, colocarem as soluções que eles mesmo desenvolveram ao longo da sua prática e, como nos diz Milton Santos, criam e recriam a cada dia soluções para a vida cotidiana.
Esses e outros setores da sociedade amadureceram muito as suas formas de participação. Hoje a prática e a reflexão têm que necessariamente estar vinculadas às realidades locais. A grande frase da década de 90 é: “Agir Localmente e Pensar Globalmente”.
E por lembrar disso, gostaria de fazer uma referência ao Encontro das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Eco-92,  encontro de 170 países, que coloca como discurso e como texto a relevância de se pensar soluções para a questão do lixo, que em nossa classificação moderna virou Resíduos Sólidos.
Na realidade o que se precisa é delimitar, criar horizontes dentro do tão ruidoso Progresso e o tão aclamado Desenvolvimento. Essas formas de conceber a sociedade precisam ser revistas: a humanidade se planetarizou. Hoje somos tão grandes, quase como o Planeta em que vivemos.
A segunda lei da termodinâmica: A Entropia, nos diz que a energia entra em processo de degradação e, isso, tende ao infinito. Ou seja, o atual processo de produção e consumo de mercadorias tem promovido, além de tudo, a degradação da energia do Planeta em que vivemos. E mais, o que se têm produzido de lixo não é brincadeira, nas palavras de  Georgescu-Roegen, traduzidas por Clóvis Cavalcanti, tudo termina irremediavelmente em sujeira, quer reciclável, quer não-reciclável.
De acordo com as premissas modernas do Capitalismo: tudo ao redor é digno de ser possuído por mim, ser humano único, privilegiado e o grande protagonista do mundo.
Michel Serres, argumenta: “Notei muitas vezes que, imitando alguns animais que urinam em seu nicho para mostrar que é seu, muitos homens marcam e sujam, cagando nos objetos que lhes pertencem para  mostrar que são seus - ou em outros, para que se tornem seus. Esta origem estercoral ou excremental do direito de propriedade me parece uma fonte cultural do que chamamos de poluição que, longe de resultar em atos involuntários, como por acidente, revela intenções profundas e uma motivação primordial”[4].
Voltando a Eco-92:
A agenda XXI, documento elaborado, com tantas e duras penas, no Rio de Janeiro, em 1992, se não se popularizar, não se assentar no local, nas comunidades, no processo de construção da vida, onde tudo começa e termina, vai começar a cheirar a estante empoeirada. Uns dirão: Pôxa!, fizeram a tão pouco tempo, nem deu para sair da fôrma!
Vejamos:
Segundo a Agenda XXI, “os resíduos sólidos compreendem todos os restos domésticos e resíduos não perigosos, tais como os resíduos comerciais e institucionais, o lixo da rua e os entulhos de construção. Em alguns países, o sistema de gestão dos resíduos sólidos também se ocupa dos resíduos humanos, tais como excrementos, cinzas de incineradores, sedimentos de fossas sépticas e de instalações de tratamento de esgoto.  O manejo ambientalmente saudável desses resíduos deve ir além do simples depósito ou aproveitamento por métodos seguros dos resíduos gerados e buscar resolver a causa fundamental do problema, procurando mudar os padrões não sustentáveis de produção e consumo”.
Programas da Agenda XXI relacionados com os resíduos:

1.          Redução ao mínimo dos resíduos;
2.          Aumento ao máximo da reutilização e reciclagem ambientalmente saudáveis dos resíduos;
3.          Promoção do depósito e tratamento ambientalmente saudáveis dos resíduos;
4.          Ampliação do alcance dos serviços que se ocupam dos resíduos.

A existência de padrões de produção e consumo não sustentáveis está aumentando a quantidade e variedade dos resíduos persistentes no meio ambiente em um ritmo sem precedente. Uma abordagem preventiva do manejo dos resíduos centrada na transformação do estilo de vida e dos padrões de produção e consumo oferece as maiores possibilidades de inverter o sentido das tendências atuais.
Até o final do século, mais de 2 bilhões de pessoas não terão acesso aos serviços sanitários básicos e estima-se que a metade da população urbana dos países em desenvolvimento não contará com serviços adequados de depósito dos resíduos sólidos. Não menos de 5,2 milhões de pessoas, entre elas 4 milhões de crianças menores de cinco anos, morrem a cada ano devido a enfermidades relacionadas com os resíduos. As conseqüências para a saúde são especialmente graves no caso da população urbana pobre. As conseqüências de um manejo pouco adequado para a saúde e o meio ambiente ultrapassam o âmbito dos estabelecimentos carentes de serviços e se fazem sentir na contaminação e poluição da água, da terra e do ar em zonas mais extensas. A ampliação e o melhoramento dos serviços de coleta e depósito de resíduos com segurança são decisivos para alcançar o controle dessa forma de contaminação”.[5]
Um dos caminhos que consigo pensar para a questão da responsabilidade social planetária, no que diz respeito não só à produção de lixo, mas à nossa relação com a natureza, é sem dúvida alguma, a educação. Uma educação que venha resgatar a fundamental relação que existem entre os seres vivos e o nosso planeta: a relação de trocas simbióticas, onde cada ser respeite o outro, onde todos os processos vitais da natureza sejam por nós, seres humanos, considerados como fundamentais para a vida. Uma educação que traga para o interior da sua prática o ambiente físico-biológico, o contexto histórico e subjetivo em que vivemos e através desse movimento construa coletivamente o saber sobre esse ambiente, fazendo com que a vida e a solidariedade entre os seres vivos volte a ter sentido. Pois as práticas educativas só fazem sentido a partir dos modos como se associam a um contexto histórico mais amplo e aí se constituem projetos pedagógicos e políticos datados e intencionados. A emoção e a racionalidade são partes complementares e imprescindíveis do ser humano e da natureza, também.

Fernando de Castro Fernandes






[1] Citação de um trecho de “Paixão da Terra” de Carlos Walter Porto Gonçalves, p. 33, Ed.: Socii, RJ, 1984.
[2] “As Transformações na Cultura e o Debate Ecológico: Desafios Políticos para a Educação Ambiental”, Educação Ambiental Caminhos  Trilhados no Brasil, Org.: Suzana Machado e Marlene Francisca, IPÊ: Instituto de Pesquisas Ecológicas, S.P., 1997.
[3] O peso dado ao consenso conduz a uma diluição das contradições entre os interesses dos diversos setores/atores da sociedade: diluição dos enfrentamentos políticos.
[4] Texto instigante em que o filósofo Michel Serres argumenta sobre um novo contrato: “ O Contrato Natural”, Ed. Nova Fronteira, RJ, 1991.
[5] Agenda 21, Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas. Brasília, 1997.