Educação, Lixo e Responsabilidade Social
“
Se o modo como os homens se relacionam com a
natureza depende do modo como os homens
se relacionam entre si, não se pode
trabalhar seriamente no movimento ecológico sem precisarmos muito bem o
significado das relações sociais em que vivemos, para a compreensão de nossa
relação com a natureza” (Carlos Walter P. Gonçalves)
.
Um discussão sobre o tema do lixo deveria
começar com indagações, perguntas, espanto...
Trago algumas inquietações para serem
compartilhadas. Coloco-me como alguém que busca o que ficou faltando e o que
ainda está por ajuntar. Começo pelo desejo de dizer que há muito por mudar, que
a gente precisa conhecer esse outro,
interior/exterior , tão dentro fora, esse outro chamado Planeta Terra.
Assim dentro deste contexto, tentarei indicar
alguns caminhos interpretativos sobre a questão colocada: educação ambiental,
lixo e a responsabilidade social. Relação que se dá dentro de um campo
contraditório e diversificado de valores e discursos e, “tem se configurado como um campo onde se inscrevem os principais
desafios políticos acerca de novos mecanismos de regulação social” (Izabel
Cristina Carvalho).
Responsabilidade Social: Sentimento e ação
que compete à sociedade como um todo.
Sociologicamente, nos dizem que a sociedade é
formada por indivíduos e que esses indivíduos se articulam em grupos, criam códigos e
mensagens comuns para se comunicarem, criam a linguagem, que, por vezes, se
traduzem tão somente em comportamentos, em tempos neoliberais e pragmáticos.
Bem, eu gostaria aqui de apontar os setores
que formam esse conjunto chamado sociedade ou tecido social, marcado por
relações consensuais,
contratuais, e, outras, dinamicamente conflitantes, da seguinte forma:
·
Poder do Governo: Mundial,
Federal (incluídos as forças armadas), Estadual, Municipal, Local;
·
A Igreja e os fenômenos religiosos;
·
As organizações empresariais, comerciais e financeiras;
·
Sindicatos, Movimentos Sociais e os Novos Movimentos Sociais;
·
As Organizações Não-Governamentais;
·
Os que vivem, residem, trabalham, sonham, consomem, cantam, morrem e,
por vezes, se amam;
·
Os miseráveis, na linha dolorosa da ausência... do flagelo... vivendo à
margem da cidadania, na mais completa exclusão social.
Dentre esses setores temos:
a) aqueles que decidem;
b) aqueles que influenciam poderosamente nas
decisões do primeiro grupo;
c) aqueles que são consultados sobre as
decisões;
d) aqueles que observam: acompanham as
decisões mas se isentam de participar, a não ser que seus interesses sejam
fortemente atingidos, vivem numa zona chamada “neutralidade política”;
e) aqueles que não são consultados e não
possuem vez, seja por que lhes foram
negados o direito de participar no mesmo patamar de decisão dos outros grupos,
seja pela exclusão social. Terrivelmente, esse é o grupo maioritário.
Assim, o poder de decisão não está repartido
igualmente em nossa sociedade e, portanto, os cidadãos não são igualmente
responsáveis por seus efeitos. Os cidadãos não decidem igualmente sobre a
formação do quadro de vida e de suas condições ambientais.
No sentido grego, Política diz respeito à
arte dos cidadãos definirem os limites para suas vidas (Polis era o nome dado
ao limite que separava a cidade do campo). A ecologia mexe com os limites do
homem e, neste sentido, com o que é da essência da política. Cabe-nos decidir
sobre que destino queremos dar à natureza mas antes disso, se queremos também
dividir os homens entre os que pensam e os que fazem, entre os que mandam e os
que obedecem, entre os dominantes e dominados. Se é assim, correremos o risco
de ficar com argumentos justos e legítimos, mas desacreditados e, pior,
amargarmos os efeitos que, acreditamos, ninguém deseja.
No entanto, lentamente (mesmo com muita luta)
algumas coisas vêm se alterando em relação à participação política. Alguns
setores da sociedade civil que viveram à margem das decisões e do usufruto dos
bens coletivos da vida moderna: os movimentos sociais urbanos - os sem-casa, o
movimento negro, de mulheres, de usuários de equipamentos e serviços públicos,
os anarco-punks, os catadores de papel, os vários fóruns organizados em
conselhos, etc., atualmente, vem conquistando um espaço para opinarem,
colocarem as soluções que eles mesmo desenvolveram ao longo da sua prática e,
como nos diz Milton Santos, criam e recriam a cada dia soluções para a vida
cotidiana.
Esses e outros setores da sociedade
amadureceram muito as suas formas de participação. Hoje a prática e a reflexão
têm que necessariamente estar vinculadas às realidades locais. A grande frase
da década de 90 é: “Agir Localmente e Pensar Globalmente”.
E por lembrar disso, gostaria de fazer uma
referência ao Encontro das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento,
a Eco-92, encontro de 170 países, que
coloca como discurso e como texto a relevância de se pensar soluções para a
questão do lixo, que em nossa classificação moderna virou Resíduos Sólidos.
Na realidade o que se precisa é delimitar,
criar horizontes dentro do tão ruidoso Progresso e o tão aclamado Desenvolvimento.
Essas formas de conceber a sociedade precisam ser revistas: a humanidade se
planetarizou. Hoje somos tão grandes, quase como o Planeta em que vivemos.
A segunda lei da termodinâmica: A Entropia,
nos diz que a energia entra em processo de degradação e, isso, tende ao
infinito. Ou seja, o atual processo de produção e consumo de mercadorias tem
promovido, além de tudo, a degradação da energia do Planeta em que vivemos. E
mais, o que se têm produzido de lixo não é brincadeira, nas palavras de Georgescu-Roegen, traduzidas por Clóvis
Cavalcanti, tudo termina irremediavelmente em sujeira, quer reciclável, quer
não-reciclável.
De acordo com as premissas modernas do
Capitalismo: tudo ao redor é digno de ser possuído por mim, ser humano único,
privilegiado e o grande protagonista do mundo.
Michel Serres, argumenta: “Notei muitas vezes
que, imitando alguns animais que urinam em seu nicho para mostrar que é seu,
muitos homens marcam e sujam, cagando nos objetos que lhes pertencem para mostrar que são seus - ou em outros, para que
se tornem seus. Esta origem estercoral ou excremental do direito de propriedade
me parece uma fonte cultural do que chamamos de poluição que, longe de resultar
em atos involuntários, como por acidente, revela intenções profundas e uma
motivação primordial”.
Voltando a Eco-92:
A agenda XXI, documento elaborado, com tantas
e duras penas, no Rio de Janeiro, em 1992, se não se popularizar, não se
assentar no local, nas comunidades, no processo de construção da vida, onde
tudo começa e termina, vai começar a cheirar a estante empoeirada. Uns dirão:
Pôxa!, fizeram a tão pouco tempo, nem deu para sair da fôrma!
Vejamos:
Segundo a Agenda XXI, “os resíduos sólidos
compreendem todos os restos domésticos e resíduos não perigosos, tais como os
resíduos comerciais e institucionais, o lixo da rua e os entulhos de
construção. Em alguns países, o sistema de gestão dos resíduos sólidos também
se ocupa dos resíduos humanos, tais como excrementos, cinzas de incineradores,
sedimentos de fossas sépticas e de instalações de tratamento de esgoto. O manejo ambientalmente saudável desses
resíduos deve ir além do simples depósito ou aproveitamento por métodos seguros
dos resíduos gerados e buscar resolver a causa fundamental do problema,
procurando mudar os padrões não sustentáveis de
produção e consumo”.
Programas da Agenda XXI relacionados com os
resíduos:
1.
Redução ao mínimo dos resíduos;
2.
Aumento ao máximo da reutilização e reciclagem ambientalmente saudáveis
dos resíduos;
3.
Promoção do depósito e tratamento ambientalmente saudáveis dos
resíduos;
4.
Ampliação do alcance dos serviços que se ocupam dos resíduos.
A existência de padrões de produção e consumo
não sustentáveis está aumentando a quantidade e variedade dos resíduos
persistentes no meio ambiente em um ritmo sem precedente. Uma abordagem
preventiva do manejo dos resíduos centrada na transformação do estilo de vida e
dos padrões de produção e consumo oferece as maiores possibilidades de inverter
o sentido das tendências atuais.
“Até o
final do século, mais de 2 bilhões de pessoas não terão acesso aos serviços
sanitários básicos e estima-se que a metade da população urbana dos países em
desenvolvimento não contará com serviços adequados de depósito dos resíduos
sólidos. Não menos de 5,2 milhões de pessoas, entre elas 4 milhões de crianças
menores de cinco anos, morrem a cada ano devido a enfermidades relacionadas com
os resíduos. As conseqüências para a saúde são especialmente graves no caso da
população urbana pobre. As conseqüências de um manejo pouco adequado para a
saúde e o meio ambiente ultrapassam o âmbito dos estabelecimentos carentes de
serviços e se fazem sentir na contaminação e poluição da água, da terra e do ar
em zonas mais extensas. A ampliação e o melhoramento dos serviços de coleta e
depósito de resíduos com segurança são decisivos para alcançar o controle dessa
forma de contaminação”.
Um dos caminhos que consigo pensar para a
questão da responsabilidade social planetária, no que diz respeito não só à
produção de lixo, mas à nossa relação com a natureza, é sem dúvida alguma, a
educação. Uma educação que venha resgatar a fundamental relação que existem
entre os seres vivos e o nosso planeta: a relação de trocas simbióticas, onde
cada ser respeite o outro, onde todos os processos vitais da natureza sejam por
nós, seres humanos, considerados como fundamentais para a vida. Uma educação
que traga para o interior da sua prática o ambiente físico-biológico, o
contexto histórico e subjetivo em que vivemos e através desse movimento
construa coletivamente o saber sobre esse ambiente, fazendo com que a vida e a
solidariedade entre os seres vivos volte a ter sentido. Pois as práticas
educativas só fazem sentido a partir dos modos como se associam a um contexto
histórico mais amplo e aí se constituem projetos pedagógicos e políticos
datados e intencionados. A emoção e a racionalidade são partes complementares e
imprescindíveis do ser humano e da natureza, também.
Fernando de Castro Fernandes