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A Experiência Criativa



Se o ambiente permitir, pode-se aprender qualquer coisa, e se o indivíduo permitir, o ambiente  lhe ensinará tudo o que ele tem para ensinar.

Experienciar é penetrar no ambiente, é envolver-se total e organicamente com ele. Isto significa envolvimento em todos os níveis: intelectual, físico e intuitivo. Dos três, o intuitivo, que é o mais vital para a situação de aprendizagem, é negligenciado.

Quando a resposta a uma experiência se realiza no nível do intuitivo, quando a pessoa trabalha além de um plano intelectual constrito, ela está realmente aberta para aprender.

O intuitivo só pode responder no imediato - no aqui e agora. Ele gera suas dádivas no momento de espontaneidade, no momento quando estamos livres para atuar e inter-relacionar, envolvendo-nos com o mundo à nossa volta que está em constante transformação.

Através da espontaneidade somos em nós mesmos. A espontaneidade cria uma explosão que por um momento nos liberta de quadros de referência estáticos, da memória sufocada por velhos fatos e informações, de teorias não digeridas e técnicas que são na realidade descobertas de outros. A espontaneidade é um momento de liberdade pessoal quando estamos frente a frente com a realidade e a vemos, a exploramos e agimos em conformidade com ela. Nessa realidade, as nossas mínimas partes funcionam como um todo orgânico. É o momento de descoberta, de experiência, de expressão criativa.

Jogos

O jogo é uma forma de fazer natural que propicia ao grupo o envolvimento e a liberdade pessoal necessários para a experiência. Os jogos desenvolvem as técnicas e habilidades pessoais necessárias para o jogo em si, através do próprio ato de jogar.

A ingenuidade e a inventividade aparecem para solucionar quaisquer crises que o jogo apresente, pois está subentendido que durante o jogo o jogador é livre para alcançar seu objetivo da maneira que escolher. Desde que obedeça às regras do jogo, ele pode balançar, ficar de ponta-cabeça, ou até voar.

Deve haver acordo de grupo sobre as regras do jogo e interação que se dirige em direção ao objetivo para que o jogo possa acontecer.

A energia liberada para resolver o problema, sendo restringida pelas regras do jogo e estabelecida pela decisão grupal, cria uma explosão - ou espontaneidade - e, como é comum nas explosões, tudo é destruído, rearranjado, desbloqueado. O ouvido alerta os pés, e o olho atira a bola.

O primeiro passo para jogar é sentir liberdade pessoal. Antes de jogar, devemos estar livres. É necessário ser parte do mundo que nos circunda e torná-lo real tocando, vendo, sentindo o seu sabor, e o seu aroma - o que procuramos é o contato direto com o ambiente. Ele deve ser investigado, questionado, aceito ou rejeitado. A liberdade pessoal para fazer isso leva-nos a experimentar e adquirir autoconsciência (auto-identidade) e auto-expressão.

Aprovação/Desaprovação

Muito poucos de nós são capazes de estabelecer um contato direto com a realidade. Nosso mais simples movimento em relação ao ambiente é interrompido pela necessidade de comentário ou interpretação favorável por uma autoridade estabelecida. Tememos não ser aprovados, ou então aceitamos comentário e interpretação de fora inquestionavelmente. Numa cultura onde a aprovação/desaprovação tornou-se o regulador predominante dos esforços e da posição, e freqüentemente o substituto do amor, nossas liberdades pessoais são dissipadas.

Abandonados aos julgamentos arbitrários dos outros, oscilamos diariamente entre o desejo de ser amado e o medo da rejeição para produzir. Qualificados como “bons” ou “maus” desde o nascimento nos tornamos tão dependentes da tênue base de julgamento de aprovação/desaprovação que ficamos criativamente paralisados. Vemos com os olhos dos outros e sentimos o cheiro com o nariz dos outros.

Assim, o fato de depender de outros que digam onde estamos, quem somos e o que está acontecendo resulta numa séria (quase total) perda de experiência pessoal. Perdemos a capacidade de estar organicamente envolvidos num problema, e de uma maneira desconectada funcionamos somente com partes do nosso todo. Não conhecemos nossa própria substância, e na tentativa de viver (ou de evitar viver) pelos olhos de outros, a auto-identidade é obscurecida, nosso corpo e a graça natural desaparece, e a aprendizagem é afetada. Tanto o indivíduo como a forma de arte são distorcidos e degenerados, e a compreensão se perde para nós.

A linguagem e as atitudes do autoritarismo devem ser constantemente combatidas quando se deseja que a personalidade, em um todo, emerja como uma unidade de trabalho. Todas as palavras que fecham portas, que têm implicações ou conteúdo emocional, que atacam a personalidade do outro ou mantém o outro totalmente dependente do julgamento do eu, devem ser evitadas (relação eu/outro). Uma vez que muitos de nós fomos educados pelo método da aprovação/desaprovação, é necessário uma constante auto-observação por parte do educador para erradicar de si mesmo qualquer manifestação desse tipo, de maneira que não entre na relação de aprendizagem.



Avaliação

A avaliação se realiza depois que os grupos terminaram de trabalhar com uma atividade ou a resolução de problema. É o momento para estabelecer um vocabulário objetivo e comunicação direta, tornada possível através de atitudes de não-julgamento, auxílio grupal na solução de um problema e esclarecimento. Todos os membros participam. Esta ajuda do grupo em solucionar problemas remove a carga de ansiedade e culpa dos participantes. O medo de julgamento (próprio e dos outros) lentamente abandona os aprendentes na medida em que bom/mau, certo/errado revelam ser as correntes que nos prendem, e logo desaparecem do vocabulário de todos. Nesta perda do medo reside o alívio, neste alívio reside o abandono dos autocontroles restritivos (autoproteção). Quando o educando se entrega a uma nova experiência, ele confia no sistema e dá um passo ao encontro do ambiente.



Orientação

Ela estabelece um método de solução de problema sem interpretação, trazendo a primeira consciência orgânica do Eu, do Outro e do objeto, e trazendo também o ambiente para o educando. É o primeiro passo para a remoção da resposta subjetiva do tipo fingimento/ilusão.

Leva o educando a dar o primeiro passo para o relacionamento com o Outro e com o objeto.

Estabelece a realidade do Outro ou do objeto entre os aprendentes.

Compõe a técnica dos jogos e traz divertimento e espontaneidade para os exercícios e, ou atividades.

Encoraja o acordo grupal e a necessidade de ação independente para solucionar problema.

É o primeiro passo para a quebra da dependência do educando para com o educador, estabelecendo o educador como parte do grupo, portanto, como educando também: todos somos aprendentes.

Apresenta as responsabilidades dos jogadores para com o processo de aprendizagem e mostra-lhes como incluir o processo de aprendizagem como parte do jogo.
Introduz o educando no ponto de concentração e na necessidade de energia dirigida (focalizada) enquanto estiver no jogo. “Olhe para a bola!”

Estabelece um vocabulário de trabalho entre os aprendentes.

Propõe ao educando a encontrar-se e a fazer sua primeira análise pessoal física de seus “sentimentos” (ao determinar tensões) e reduz seus temores para com o Outro, a atividade e para com o educador.

Dá a cada educando o direito a suas próprias observações e lhe permite selecionar seu próprio material.

Estabelece o tom do trabalho a seguir - aventurando e não forçando o despertar do intuitivo.


Para evitar que a palavra intuitivo torne-se vazia ou que a usemos para conceitos ultrapassados, utilize-a para denotar aquela área do conhecimento que está além das restrições de cultura, raça, educação, psicologia e idade; mais profundo do que as roupagens de maneirismo, preconceitos, intelectualismos e adoções de idéias alheias que a maioria de nós usa para viver o cotidiano. Ao invés disso abracemo-nos uns aos outros em nossa pura humanidade e nos esforcemos durante as atividades para liberar essa humanidade dentro de nós e dos outros. Então, as paredes de nossa jaula de preconceitos, quadros de referência e o certo-errado predeterminado se dissolvem. Então, olhamos com um “olho interno”.




Fonte: Viola Spolin – livros: “Improvisação para O Teatro”, “Jogos Teatrais”.

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