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Educação, Lixo e Responsabilidade Social



Educação, Lixo e Responsabilidade Social

Se o modo como os homens se relacionam com a natureza  depende do modo como os homens se relacionam entre si,  não se pode trabalhar seriamente no movimento ecológico sem precisarmos muito bem o significado das relações sociais em que vivemos, para a compreensão de nossa relação com a natureza” (Carlos Walter P. Gonçalves)[1].

Um discussão sobre o tema do lixo deveria começar com indagações, perguntas, espanto...
Trago algumas inquietações para serem compartilhadas. Coloco-me como alguém que busca o que ficou faltando e o que ainda está por ajuntar. Começo pelo desejo de dizer que há muito por mudar, que a gente precisa conhecer  esse outro, interior/exterior , tão dentro fora, esse outro chamado Planeta Terra.
Assim dentro deste contexto, tentarei indicar alguns caminhos interpretativos sobre a questão colocada: educação ambiental, lixo e a responsabilidade social. Relação que se dá dentro de um campo contraditório e diversificado de valores e discursos e, “tem se configurado como um campo onde se inscrevem os principais desafios políticos acerca de novos mecanismos de regulação social” (Izabel Cristina Carvalho[2]).
Responsabilidade Social: Sentimento e ação que compete à sociedade como um todo.
Sociologicamente, nos dizem que a sociedade é formada por indivíduos e que esses indivíduos se  articulam em grupos, criam códigos e mensagens comuns para se comunicarem, criam a linguagem, que, por vezes, se traduzem tão somente em comportamentos, em tempos neoliberais e pragmáticos.
Bem, eu gostaria aqui de apontar os setores que formam esse conjunto chamado sociedade ou tecido social, marcado por relações consensuais[3], contratuais, e, outras, dinamicamente conflitantes, da seguinte forma:
·     Poder  do Governo: Mundial, Federal (incluídos as forças armadas), Estadual, Municipal, Local;
·     A Igreja e os fenômenos religiosos;
·     As organizações empresariais, comerciais e financeiras;
·     Sindicatos, Movimentos Sociais e os Novos Movimentos Sociais;
·     As Organizações Não-Governamentais;
·     Os que vivem, residem, trabalham, sonham, consomem, cantam, morrem e, por vezes, se amam;
·     Os miseráveis, na linha dolorosa da ausência... do flagelo... vivendo à margem da cidadania, na mais completa exclusão social.
Dentre esses setores temos:
a) aqueles que decidem;
b) aqueles que influenciam poderosamente nas decisões do primeiro grupo;
c) aqueles que são consultados sobre as decisões;
d) aqueles que observam: acompanham as decisões mas se isentam de participar, a não ser que seus interesses sejam fortemente atingidos, vivem numa zona chamada “neutralidade política”;
e) aqueles que não são consultados e não possuem vez,  seja por que lhes foram negados o direito de participar no mesmo patamar de decisão dos outros grupos, seja pela exclusão social. Terrivelmente, esse é o grupo maioritário.
Assim, o poder de decisão não está repartido igualmente em nossa sociedade e, portanto, os cidadãos não são igualmente responsáveis por seus efeitos. Os cidadãos não decidem igualmente sobre a formação do quadro de vida e de suas condições ambientais.
No sentido grego, Política diz respeito à arte dos cidadãos definirem os limites para suas vidas (Polis era o nome dado ao limite que separava a cidade do campo). A ecologia mexe com os limites do homem e, neste sentido, com o que é da essência da política. Cabe-nos decidir sobre que destino queremos dar à natureza mas antes disso, se queremos também dividir os homens entre os que pensam e os que fazem, entre os que mandam e os que obedecem, entre os dominantes e dominados. Se é assim, correremos o risco de ficar com argumentos justos e legítimos, mas desacreditados e, pior, amargarmos os efeitos que, acreditamos, ninguém deseja.
No entanto, lentamente (mesmo com muita luta) algumas coisas vêm se alterando em relação à participação política. Alguns setores da sociedade civil que viveram à margem das decisões e do usufruto dos bens coletivos da vida moderna: os movimentos sociais urbanos - os sem-casa, o movimento negro, de mulheres, de usuários de equipamentos e serviços públicos, os anarco-punks, os catadores de papel, os vários fóruns organizados em conselhos, etc., atualmente, vem conquistando um espaço para opinarem, colocarem as soluções que eles mesmo desenvolveram ao longo da sua prática e, como nos diz Milton Santos, criam e recriam a cada dia soluções para a vida cotidiana.
Esses e outros setores da sociedade amadureceram muito as suas formas de participação. Hoje a prática e a reflexão têm que necessariamente estar vinculadas às realidades locais. A grande frase da década de 90 é: “Agir Localmente e Pensar Globalmente”.
E por lembrar disso, gostaria de fazer uma referência ao Encontro das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Eco-92,  encontro de 170 países, que coloca como discurso e como texto a relevância de se pensar soluções para a questão do lixo, que em nossa classificação moderna virou Resíduos Sólidos.
Na realidade o que se precisa é delimitar, criar horizontes dentro do tão ruidoso Progresso e o tão aclamado Desenvolvimento. Essas formas de conceber a sociedade precisam ser revistas: a humanidade se planetarizou. Hoje somos tão grandes, quase como o Planeta em que vivemos.
A segunda lei da termodinâmica: A Entropia, nos diz que a energia entra em processo de degradação e, isso, tende ao infinito. Ou seja, o atual processo de produção e consumo de mercadorias tem promovido, além de tudo, a degradação da energia do Planeta em que vivemos. E mais, o que se têm produzido de lixo não é brincadeira, nas palavras de  Georgescu-Roegen, traduzidas por Clóvis Cavalcanti, tudo termina irremediavelmente em sujeira, quer reciclável, quer não-reciclável.
De acordo com as premissas modernas do Capitalismo: tudo ao redor é digno de ser possuído por mim, ser humano único, privilegiado e o grande protagonista do mundo.
Michel Serres, argumenta: “Notei muitas vezes que, imitando alguns animais que urinam em seu nicho para mostrar que é seu, muitos homens marcam e sujam, cagando nos objetos que lhes pertencem para  mostrar que são seus - ou em outros, para que se tornem seus. Esta origem estercoral ou excremental do direito de propriedade me parece uma fonte cultural do que chamamos de poluição que, longe de resultar em atos involuntários, como por acidente, revela intenções profundas e uma motivação primordial”[4].
Voltando a Eco-92:
A agenda XXI, documento elaborado, com tantas e duras penas, no Rio de Janeiro, em 1992, se não se popularizar, não se assentar no local, nas comunidades, no processo de construção da vida, onde tudo começa e termina, vai começar a cheirar a estante empoeirada. Uns dirão: Pôxa!, fizeram a tão pouco tempo, nem deu para sair da fôrma!
Vejamos:
Segundo a Agenda XXI, “os resíduos sólidos compreendem todos os restos domésticos e resíduos não perigosos, tais como os resíduos comerciais e institucionais, o lixo da rua e os entulhos de construção. Em alguns países, o sistema de gestão dos resíduos sólidos também se ocupa dos resíduos humanos, tais como excrementos, cinzas de incineradores, sedimentos de fossas sépticas e de instalações de tratamento de esgoto.  O manejo ambientalmente saudável desses resíduos deve ir além do simples depósito ou aproveitamento por métodos seguros dos resíduos gerados e buscar resolver a causa fundamental do problema, procurando mudar os padrões não sustentáveis de produção e consumo”.
Programas da Agenda XXI relacionados com os resíduos:

1.          Redução ao mínimo dos resíduos;
2.          Aumento ao máximo da reutilização e reciclagem ambientalmente saudáveis dos resíduos;
3.          Promoção do depósito e tratamento ambientalmente saudáveis dos resíduos;
4.          Ampliação do alcance dos serviços que se ocupam dos resíduos.

A existência de padrões de produção e consumo não sustentáveis está aumentando a quantidade e variedade dos resíduos persistentes no meio ambiente em um ritmo sem precedente. Uma abordagem preventiva do manejo dos resíduos centrada na transformação do estilo de vida e dos padrões de produção e consumo oferece as maiores possibilidades de inverter o sentido das tendências atuais.
Até o final do século, mais de 2 bilhões de pessoas não terão acesso aos serviços sanitários básicos e estima-se que a metade da população urbana dos países em desenvolvimento não contará com serviços adequados de depósito dos resíduos sólidos. Não menos de 5,2 milhões de pessoas, entre elas 4 milhões de crianças menores de cinco anos, morrem a cada ano devido a enfermidades relacionadas com os resíduos. As conseqüências para a saúde são especialmente graves no caso da população urbana pobre. As conseqüências de um manejo pouco adequado para a saúde e o meio ambiente ultrapassam o âmbito dos estabelecimentos carentes de serviços e se fazem sentir na contaminação e poluição da água, da terra e do ar em zonas mais extensas. A ampliação e o melhoramento dos serviços de coleta e depósito de resíduos com segurança são decisivos para alcançar o controle dessa forma de contaminação”.[5]
Um dos caminhos que consigo pensar para a questão da responsabilidade social planetária, no que diz respeito não só à produção de lixo, mas à nossa relação com a natureza, é sem dúvida alguma, a educação. Uma educação que venha resgatar a fundamental relação que existem entre os seres vivos e o nosso planeta: a relação de trocas simbióticas, onde cada ser respeite o outro, onde todos os processos vitais da natureza sejam por nós, seres humanos, considerados como fundamentais para a vida. Uma educação que traga para o interior da sua prática o ambiente físico-biológico, o contexto histórico e subjetivo em que vivemos e através desse movimento construa coletivamente o saber sobre esse ambiente, fazendo com que a vida e a solidariedade entre os seres vivos volte a ter sentido. Pois as práticas educativas só fazem sentido a partir dos modos como se associam a um contexto histórico mais amplo e aí se constituem projetos pedagógicos e políticos datados e intencionados. A emoção e a racionalidade são partes complementares e imprescindíveis do ser humano e da natureza, também.

Fernando de Castro Fernandes






[1] Citação de um trecho de “Paixão da Terra” de Carlos Walter Porto Gonçalves, p. 33, Ed.: Socii, RJ, 1984.
[2] “As Transformações na Cultura e o Debate Ecológico: Desafios Políticos para a Educação Ambiental”, Educação Ambiental Caminhos  Trilhados no Brasil, Org.: Suzana Machado e Marlene Francisca, IPÊ: Instituto de Pesquisas Ecológicas, S.P., 1997.
[3] O peso dado ao consenso conduz a uma diluição das contradições entre os interesses dos diversos setores/atores da sociedade: diluição dos enfrentamentos políticos.
[4] Texto instigante em que o filósofo Michel Serres argumenta sobre um novo contrato: “ O Contrato Natural”, Ed. Nova Fronteira, RJ, 1991.
[5] Agenda 21, Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas. Brasília, 1997.

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