A Natureza e o Ser Humano
Desde a noite dos tempos, as
relações que foram se construindo entre os seres humanos e a natureza se
pautaram por uma convivência mais integrada, onde a base dessa convivência era
o respeito, o mistério e a troca. A natureza era algo sacralizado, ou seja,
tinha elementos divinos que organizavam o conhecimento e explicavam os
fenômenos. O universo era mais orgânico, vivo, caótico, cheio de sentidos...
tudo vibrava.
Com o
passar dos milênios o ser humano e a sua compreensão sobre a natureza foi
mudando. Essa mudança se caracterizou de forma diversa, de acordo com cada
cultura e cada região geográfica, em um tempo histórico específico.
Para
entendermos um pouco dessas mudanças vamos escolher um dos momentos que
marcaram profundamente o ser humano e a vida no planeta, nos últimos 300 anos,
que tem implicações importantes no modo de pensar/agir, no conjunto de valores
que organizam a sociedade e que acabaram por construir o alicerce do
conhecimento científico e, também, delinearam os principais dilemas e as crises
da atualidade.
Esse
período que vamos tratar é conhecido como Idade Moderna (a partir do século
XVI). Esse termo é para designar um
momento da história humana ocidental que é assinalado pela idéia do novo,
da superação dos costumes e da tradição e da construção de uma “nova” forma de
ver o mundo.
“A
noção de um universo orgânico, vivo e espiritual, foi substituída pela noção do
mundo como se ele fosse uma máquina” (Fritjof Capra).
Isto
é, essa forma nova de ver o mundo começa a ruir a relação que anteriormente
existia entre ser humano e natureza. “A idéia de natureza como algo animado e
vivo, na qual as espécies procuram se realizar é substituída pela idéia de uma
natureza sem vida e mecânica. A natureza de cores, tamanhos, sons, cheiros e
toques é substituída por um mundo sem
qualidades” (Mauro Grün). A natureza passa a ser vista como algo a ser
dominado, controlado, explorado. O ser humano passa a ser o dono e o possuidor
da natureza. E para ser possuidor da natureza ele teve que se colocar fora da
natureza, “... a expressão dominar a natureza só tem sentido a partir da
premissa de que o homem é não-natureza... a natureza é, na Idade moderna, um
objeto a ser dominado por um sujeito, o Homem, muito embora saibamos que nem
todos os Homens são proprietários da natureza. Assim, são alguns poucos Homens
que dela verdadeiramente se apropriam. A grande maioria dos outros Homens não
passa de objeto que pode até ser descartado” (Carlos Walter Porto Gonçalves).
Para
sustentar essa atitude de dominação que o ser humano começou a estabelecer com
a natureza, iniciou-se a construção de uma nova ciência. O rompimento ser
humano/natureza provoca um processo contínuo de fragmentação: o ser humano se
fragmenta e a natureza também.
A Escola e o Lugar que a
Gente Vive
O que tudo isso tem a ver
com a escola? Tudo!
Essa
“nova forma” de conceber o mundo é também promovida pela escola. Aliás, é bom
dizer que a partir daquela época (séc. XVII) a educação “ganha pela primeira
vez o estatuto de ciência” e contribuiu para unificar essa visão de mundo.
A
escola passa a re-produzir esse modelo, cuja base é quantificar, denominar,
classificar e dividir o conhecimento. O conhecimento é fracionado em várias
áreas: ciências biológicas, ciências humanas, ciências exatas, etc..
“A
natureza passa a ser um conceito negativo para a educação” e a única maneira de
se perceber isso é pela sua ausência. “A educação
ambiental surge hoje como uma necessidade quase inquestionável pelo simples
fato de que não existe ambiente na educação moderna” (Mauro Grün). Esse
ambiente geralmente é abstrato, é distante do vivido. A educação está centrada
no indivíduo e na aprendizagem, sendo que o ambiente fica de fora. É um
conhecimento adquirido apenas através de manuais, de forma genérica e
impessoal. “Tudo se passa como se fôssemos educados e educássemos fora de um
ambiente”.
A escola está situada num
lugar importante dentro da crise atual em que vivemos: ecológica, ética,
econômica e política. “A marcha desenfreada das sociedades e civilizações em
busca do progresso e desenvolvimento da ciência, da razão e da técnica,
culminou numa grande crise, hoje planetária. O desenvolvimento permitiu ao
mundo moderno magníficos feitos para o conforto e bem-estar da humanidade (que
poucos têm acesso). Entretanto é preciso que se questione seus efeitos
colaterais que fizeram com que o ser humano se tornasse de certa forma uma
espécie automatizada, seres individualistas, egocêntricos e que gradativamente
perdem a noção de solidariedade” (Edgar Morin). Se a escola não pode ser
responsabilizada por essa crise, no mínimo ela está ajudando na sua manutenção.
A cidade, o meio urbano,
está no centro, também, dessa crise. Nas grandes cidades há a predominância de
uma noção de meio ambiente exclusivamente naturalizada, que não comporta uma
dimensão social e urbana. A forma de se educar, a relação ensino/aprendizagem
não considera a cidade enquanto processo múltiplo, vivo, dinâmico, cheio de
contradições sociais, onde a questão da cidadania ainda é uma mera palavra
impressa nos livros, nas faixas, nos cartazes,
nos slogans...
Fernando de Castro Fernandes
Educador. Poeta
e Sociólogo
Diretor da
Escola Jasmim – Centro de Arte e Educação
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