domingo

Histórias para se Contar na Escola - 1


O Rei e a Omelete de Amoras

 

Não muito distante da época renascentista, vivia um rei que acreditava, como o grande Khan, que tudo que existia nesta ainda não redonda Terra lhe pertencia, mas, mesmo com toda essa riqueza e poder, não se sentia feliz e com o passar dos anos sorvia cada vez em maior quantidade uma amarga melancolia.
Um dia, em que o desespero subia os píncaros da sua melancolia, pediu ao conselheiro-mor que chamasse o seu melhor cozinheiro e assim que este chegou, um tanto sereno, um tanto surpreso, lhe disse:
“Sou-lhe muito agradecido pelas agradáveis e surpreendes iguarias, pelos exuberantes pratos que tens me servido à mesa. no entanto, quero uma última prova do seu enorme talento. Ordeno que faças uma omelete de amoras idêntica àquela que saboreei há 50 anos, nos primeiros passos e tropeços da minha infância. Naquela época meu pai, então rei de tudo que cobria a vasta Terra, guerreava contra seu perverso inimigo no oriente. Perdemos e, lamentavelmente tivemos que fugir. Dia e noite, noite e dia, fugimos, e acabamos por nos perder em uma floresta escura. A fome e a fadiga nos assolavam ao ponto de tornar a morte nossa vizinha mais sinistra e iminente. No cume do desespero, por fim, topamos com um casebre. Ali morava uma velhinha que muito afavelmente nos convidou para entrar, nos serviu água e um confortável lugar para nos sentarmos e, em seguida, se ocupou do preparo de alguma coisa para aliviar a fome que nos consumia. Logo depois nos serviu uma omelete de amoras. Eu mal tinha levado à boca o primeiro pedaço, senti-me esplendidamente consolado e, pela primeira vez o sentimento de esperança entrou em meu coração. Por ser, naquele tempo muito criança, por muito tempo não em dei conta e nem voltei a pensar nos benefícios daquela simples e deliciosa comida. Quando já era rei mandei procurá-la e trazê-la à minha presença, vasculhei todo o reino, no entanto, não se achou nem a velha nem qualquer outra pessoa que soubesse preparar a omelete de amoras. Assim sendo, ordeno que atendas a este meu último desejo: faze-me aquela mesma omelete de amoras! se assim o fizer, farei de ti meu genro e herdeiro de meu reino. Mas, se não me contentares, decretarei tua morte”.
O cozinheiro a tudo ouviu, com comiseração e paciência, e respondeu:
“Meu rei, chame logo o carrasco. Afirmo que conheço o segredo da omelete de amoras e tenho ciência de todos os seus ingredientes, desde o trivial agrião até o sublime tomilho. Sei, como sabes, utilizar bem todos os temperos. Há também o verso mágico que se deve recitar ao bater as claras com as gemas, sei, sem dúvida, que o batedor de madeira de buxo deve ser rigorosamente girado em apenas um sentido. Contudo, ó rei, terei de morrer, pois minha omelete de amoras não irá agradar vosso paladar, jamais será igual àquela que saciou sua fome pelas mãos daquela velhinha. Pois como haveria eu de temperar e provocar aquilo tudo que naquela omelete de amoras desfrutastes e que vos deixou impressão tão inesquecível? Meu senhor, faltará os perigos da batalha e o seu picante sabor, a proximidade do pai na fuga desorientadora, a emoção e a redobrada atenção do fugitivo perdido. A minha omelete de amoras são será comida com o sentido alerta e emocionado do perseguido. Não terá o descanso incompreensível em um abrigo desconhecido e o calor acolhedor de um casebre, a doçura da inesperada hospitalidade de uma velhinha. Não terá o sabor do presente incomum e do futuro incerto”.
Com estas palavras o cozinheiro se justificou. O rei, porém, fez um profundo e real silêncio e ao fim, consta, haver dispensado dos serviços reais o cozinheiro, lhe presenteando com tesouros, presentes e moedas de ouro.

 

Reconto feito por Fernando C. F. a partir da história “Omelete de Amoras” de Walter Benjamin,

que pode ser lida no livro “Rua de Mão Única”, da Editora Brasiliense.

Um comentário:

  1. Não costumo apreciar textos que tragam, nas entrelinhas, mensagens de natureza puramente instrutivo-moralista.
    Entretanto, essa do Benjamin, ao invés de remetermo-nos ao passado, lança-nos ao agora em nós.

    Excelente texto.
    Benjamin é o cara!

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